Letícia Bengali

quinta-feira, abril 27, 2006

A motocicleta e a vaca


Em uma das viagens com o Grameen Bank, pra um distrito chamado Tangail, tive a minha segunda experiencia com motocicletas aqui em Bangladesh. Estavamos, Samah – norte-americana, filha de pais Bengalis, mas que nao fala Bangla -, Rony – o mesmo interprete sobre quem escrevi na viagem de Dinajpur – e eu, em uma das agencias do Banco, acompanhando as atividades quando, de repente, alguem disse que para atingir o nosso proximo destino a tempo, deveriamos usar motocicletas. “Mas temos apenas 2 motocicletas para cinco pessoas” – disse o gerente. Entao Rony perguntou a Samah e eu se nos importariamos de ir, as duas e o gerente, em uma unica motocicleta. “Contanto que possamos sentar como os homens, por mim tudo bem!” – respondi em espirito de aventura, contando a Samah o que tinha acontecido a Amy e eu em Dinajpur. E mais uma vez o vento da zona rural de Bangladesh batia no meu rosto, meus oculos ganhavam novos arranhoes por conta da poeira, eu respirava fundo e apreciava a paisagem pra esquecer que estava na estrada, numa moto!
Nesta viagem, enquanto estavamos na varanda da casa de uma das clientes do banco, conversando com ela, escutamos um barulho estranho. Rapidamente olhei pra tras e meus olhos se arregalaram com a imagem que viram: a menos de cinco metros de distancia, uma vaca, completamente descontrolada, louca, brava, praticamente espumando pela boca, olhava na minha direcao -talvez porque eu estivesse vestindo vermelho - enquanto batia as patas no chao e, com movimentos bruscos, tentava livrar-se da corda que a amarrava a um pedaco de pau fincado no chao. Esse foi, sem duvida nenhuma, o momento em que senti mais medo em toda a viagem! Como o animal nao parava, um senhor veio “acudir”: enquanto Samah e eu olhavamos desesperadas para o Rony e a moca com quem conversavamos dava altas gargalhadas, ele soltou o no e segurou firme na corda. A vaca saiu pulando, parecendo o Boi Bandido da novella das oito. Tambem pulava o meu coracao, que agora so de ver uma vaca na rua ja acelera, indicando pra que eu atravesse e continue o meu percurso do outro lado.
OBS: Na segunda foto, o lugar em que tomamos nosso cha, pela manha.

sábado, abril 15, 2006

Feliz ano novo bangla!!!


Ontem, 14 de abril, foi o primeiro dia do novo ano bengali. Eu, logo depois de comer o tradicional pantha vhat (arroz do dia anterior com agua, alimento basico das camadas mais pobres, que, por nao terem onde refrigerar a comida, deixam-na dormir na agua) e elish mach (peixe nacional que vive no mar, mas coloca os ovos no rio, ocasiao em que eh pescado) de cafe da manha, sai pelas ruas trajando um sari branco e vermelho - como praticamente todas as mulheres, pois sao as cores do dia. Por toda parte apresentacoes culturais - danca, musica. O lugar mais visitado eh a Universidade de Dhaka, onde centenas de pessoas se expremem pra ver os shows. A Ananya me contou que nao gosta muito de ir la neste dia, pois varios garotos ficam 'irritando', puxando - na hora a primeira imagem que me veio na cabeca foi de uma micareta brasileira, mas, certamente, o que rola eh beeem diferente do "puxa-beija-e-vai-embora (ou nao)" dos carnavais brasileiros.

No entanto, como havia alerta vermelho - ha cinco anos os mesmos terroristas de quem ja falei em um post anterior explodiram uma bomba la neste dia e, como os 'chefoes' acabaram de ser pegos, havia o temor de que a cena se repetisse - a minha familia bengali achou melhor irmos para outros lugares.
Fomos para a Universidade da Ananya de manha, e, de tarde, fui ver a apresentacao da escola de musica da Upama, prima de Shajal e Shajib, de quem ja postei uma foto - ela fazia questao que eu fosse e, assim que me viu, ficou tao, mas tao feliz - como um irmao mais novo quando o mais velho vai prestigiar uma de suas apresentacoes. Quando apareci uma amiguinha dela me olhou dos pes a cabeca e exclamou: "UAU!!!!"

Depois da apresentacao vim para a casa de Shajib, Shajal e Nowrin (irma da Ananya), ainda trajando o sari. Para quem nao esta acostumado, eh extremamente dificil andar por ai vestindo um sari. Nos primeiros passos voce anda como um robo - tem pano demais enrolado no seu corpo! - e sempre acha que vai tropecar - praticamente arrasta no chao -, mas quando se acostuma, nem eh mais necessario ficar puxando a barra pra cima na hora de subir as escadas! O problema eh que Safwan - o bebe - nao queria ir com ninguem, somente comigo e ficava esguelando e chorando ate que eu o pegasse no colo, quando ele me encarava com seus enormes olhos negros e abria um belo sorriso. Tentei lhe explicar que nao tenho nada contra ele, mas que era a segunda vez em que eu vestia um sari e, portanto, nao estava em condicoes muito favoraveis de brincar com um bebe, mas ele nao entendeu, e toda hora que alguem tentava tira-lo do meu colo, agarrava a minha roupa com forca. Resultado: quando finalmente ele foi para o colo da mae e eu ia para a apresentacao da Upama, o pai dele comecou a rir do meu estado e pediu a mae que me ajudasse a refazer o sari - ainda nao estou a par das tecnicas pra enrolar o pano.

Depois fui com o Shajal de volta pra casa dele e Nowrin pediu que eu ficasse para o jantar e passasse a noite. Entao ela ligou pro celular da Ananya e avisou a mae delas que eu dormiria aqui. Finalmente tirei o sari e coloquei uma calca de Shajib e uma camiseta de Shajal. No dia seguinte, no cafe da manha, Shajal disse para que eu viesse morar com eles, pois eh mais perto do Banco. Respondi, sorrindo, que a minha mae bangladeshi nao ia gostar nada da ideia - acontece que eu arrumei outro lugar pra morar, mas quando, ha algumas semanas, toquei no assunto, ela nao quis nem ouvir: falou que era pra eu continuar morando com a familia dela, que nao tinha problema nenhum; a Ananya disse o mesmo, entao continuei la.

Shuvo Noboborsho (Feliz ano novo!) para todo mundo que esta me lendo!
**Fotos: 1) Cafe da manha logo apos o banho - quando o pai viaja eu uso blusa sem manga em casa; 2) Com Ananya, antes de ir pra rua - sou a bonequinha dela: me veste, me pinta.. ahahha; 3) com minha mae bangladeshi; 4) fazendo penteado de graca, num stande na universidade da Ananya; 5) com meu penteado de jasmim; 6) assistindo a apresentacao da Upama - na minha frente Talha, amigo do Shajal, e em cinza, mais a direita, a mae dela.

segunda-feira, abril 10, 2006

"Pegue sua esteira e seu chapeu..."

"...vamos para a praia que o sol ja vem!!!"

Tres camisetas, uma calca jeans, um salwar kamez, uma calca Capri, calcinhas, shampoo, sabonet, desodorante, sandalia, protetor solar… “Sera que estou esquecendo alguma coisa?” – me perguntei enquanto fechava o zipper da mochila. Nao, eu nao estava esquecendo o biquini, ate mesmo porque eu nem trouxe um!

Os 400 e poucos quilometros entre Dhaka e Cox Bazar pareciam ser o dobro, ja que a viagem leva, em media, 9 horas, por causa do transito e da Estrada. Mas vale a pena, ah se vale!!!

De carro, com alguns amigos, fui apreciando todo o verde deste pais tao plano, ate chegar em Chittacong, onde as montanhas encontram com o mar. Pelo caminho lembrei varias vezes da tipica frase nerd dos meus pais-professores em qualquer viagem que faziamos: “Filhinhos, observem a geografia do lugar!!!” Ca estava eu, do outro lado do mundo, colocando em pratica a velha licao.

Contar estrelas ouvindo o som do mar e apreciar a areia iluminada pelo luar… muito diferente da rotina “corre-corre” da poluida e suja Dhaka City!

Neste fim de semana prolongado assustei-me com a Bengali que vem crescendo dentro de mim. No sabado, logo apos o café da manha, um dos meus amigos perguntou se eu queria algo antes de ir para beira-mar, apreciar as bonitas mulheres em seus longos salwar kamezes e saris e os robustos rapazes em suas calcas e camisas. “Queria tomar um cha. Dudh Cha” (cha com leite, em bangla) – respondi, surpreendendo a mim mesma. Sol de rachar, areia, mar e minha boca-bengali salivando por um cha quente! (Ver foto tomando cha na praia)

Como achei que nadar com aquele tanto de pano nao era nada divertido, coloquei o traje que a Ananya tinha sugerido quando pedi ajuda sobre o que vestir: calca capri e blusa sem manga. Me sentia pelada no meio daquelas pessoas tao cobertas por roupas, ate que um grupo de gringos, homens, apareceu, trajando apenas calcoes de banho.

Assim como em outras praias do mundo, criancas andavam pela areia vendendo artesanato. Quando perguntamos se elas nao iam para a escola, uma das meninas (a menorzinha na foto) respondeu: “Nao! Estamos com medo de ir para a escola porque estao tirando sangue de debaixo
dos olhos das criancas e mandando para o Sr. Bush tomar banho! E um menino ate morreu por causa disso!” – foi a desculpa mais esfarrapada que ja escutei na vida, mas elas pareciam, realmente, acreditar naquela baboseira.
Foi uma temporada curtissima, porem divertida. Na volta, entre as musicas indianas que escutamos, cantei e contei para meus amigos a historia de Eduardo e Monica, de Legiao Urbana e da Geni, de Chico Buarque. Tambem debatemos sobre a legalizacao do casamento homossexual nos EUA e o casamento de criancas na zona rural de Bangladesh.

quarta-feira, abril 05, 2006

Ta quente... ta esquentando... queimou!!!

O clima esta, a cada dia, mais quente. As vezes eh insuportavel sair na rua. O pior eh de noite, nas horas diarias sem energia eletrica: sem nenhum ventiladorzinho pra melhorar aquela sensacao "preguenta" de suor misturado com poeira e poluicao. O unico comodo com ar condicionado eh o quarto dos pais da Ananya. O pai esta viajando, entao ela dorme com a mae. Todos os dias elas me perguntam se eu nao quero dormir la tambem, mas as variacoes repentinas de temperatura - ar condicionado gelado seguido de calor insuportavel nos picos sem energia durante a madrugada - ja me causaram muita dor de garganta, entao eu durmo com aquela sensacao gostosa de estar numa sauna e sonho com os anjos vestindo apenas suas cuequinhas, enquanto sou obrigada - pelos mosquitos e pela situacao - a dormir de calca e camiseta. O lado bom de tudo isso eh que os banhos gelados tambem sao, a cada dia, mais prazeirosos, e, toda manha, quando passo o sabonete cheiroso no corpo e visto uma roupa sequinha, sem nenhuma gotinha de suor, eu sinto um enorme prazer - infelizmente, logo interrompido pela imagem de como estarei em algumas horas, visto que no Banco tambem nao tem ar condicionado, muito menos nos vilarejos!!!

Mas ontem vi a primeira chuvona por aqui. Um verdadeiro 'pe d'agua'!!! Ha uns 3 dias eu tinha presenciado uma chuvinha de uns 10 minutos, mas ontem choveu granizo e as ruas ficaram um caos so!!! Sorte a minha que ja estava em casa. Quando a Ananya chegou, contando que andou com agua acima das canelas na rua, que os rickshaws e CNGs (taxizinhos verdes da foto ha alguns posts atras) nao estavam trabalhando, entendi melhor que o jantarzinho que eu tinha marcado com uns amigos teria, realmente, que ser cancelado por pressao da meteorologia!

E meus dias quentes se resumem entre idas ao Grameen Bank, viagens para outras partes de Bangladesh, almocinhos com os outros interns do Banco, jantarzinhos de despedida, passeios a lugares turisticos em Dhaka e brincadeiras com o Safwan, o bebe mais fofo do mundo, com quem estou em processo de disputa, pra ver quem aprende Bangla primeiro - ele esta ganhando, claro!
** Fotos: 1) Putul, Lara e Ananya; 2) Safwan e Lara

segunda-feira, abril 03, 2006

ET telefone minha casa

Ha algumas semanas, quando acordei e sai do quarto, com a cara completamente amassada, incapaz de raciocinar direito, a Ananya bateu a mao na mesa com forca e exclamou: "Lara, ha um grande problema!!!!" Levei o maior susto e meio que terminei de acordar: "O que aconteceu?" - perguntei meio desesperada. "Voce se lembra que eu te mostrei no jornal a foto do terrorista capturado semana passada? Pois no jornal de hoje saiu que agora esses terroristas vao pegar os estrangeiros pra negociar em troca dos membros do grupo que foram capturados!" Antes que meus olhos tivessem tempo de terminar de arregalar, a mae dela apareceu e comecou a comentar, misturando bangla e ingles. Por fim, elas me aconselharam a nao voltar tarde, nao andar sozinha de noite e nao falar com estranhos. Uns tres dias depois estavamos assistindo ao jornal na tv (estavamos eh modo de dizer, porque eu estava desenhando no meu caderno enquanto elas assistiam, ja que nao entendia nenhuma frase), quando elas me mandaram prestar atencao e ver a cena de alguns estrangeiros deixando o pais, com medo do Bangla Bhai e seus comparsas que, segundo elas, mataram centenas de pessoas em atentados terroristas com homens bomba, "lutando" pelo fundamentalismo islamico, para que as mulheres de Bangladesh sejam obrigadas usar burca e proibidas de sair de casa, dentre outros. Muita fofoca e especulacao, mas os dias se passaram e nada aconteceu de fato. E nos, os estrangeiros, continuamos levando felizes nossas vidas bengalis: "Hello Madam!!", "Hello Sister!", "Hello! I want to practice my English!", "I want to make friendship" - pessoas curiosas e excitadas ao ver o ET albino passar eh o que continuo encontrando pelas ruas de Dhaka.
**Fotos: 1) Mulher de burca na praia; 2) Homem em traje tipico muculmano e sua maquina de costura; 3) Leticia Bengali cobrindo todo o cabelo e pescoco - "Como tem de ser no oriente medio!", comentou um amigo.