Letícia Bengali

sábado, março 25, 2006

Dhaka University

Na semana anterior ao estresse com o visto tirei um 'day off' do Grameen Bank e fui pra Universidade de Dhaka, passar o dia com alguns estudantes amigos da Ananya. Alem de passear e conhecer um pouco da rotina dos da Universidade, fiz amigos e aprendi algumas palavras novas em bangla. Como eu so sabia contar ate dez, eles resolveram me ensinar ate vinte. Onze, doze, treze - ate ai tudo bem -, mas quando chegou no quatorze veio o problema!!! Toda hora que eu falava, eles caiam na gargalhada. Sem entender o porque, eu repetia e, novamente, gargalhadas! O jeito que eu pronunciava a palavra era o mesmo que dizer 'foda-se!'. Me ensinaram a pronuncia correta, que tentei repetir milhares de vezes. Por fim, houve um concenso de que, definitivamente, nao devo dizer esse numero. Se precisar, que eu fale em ingles mesmo!!!
Neste dia tambem experimentei o maior perigo desde que cheguei em Bangladesh: comer na rua!!! Almocei no lugar em que varios estudantes almocam, em frente ao Instituto de Artes. Na foto do almoco, da esquerda pra direita: Zico (estudante de Matematica, meu 'net friend' que tem me dado varias dicas desde que estava no Brasil, eu, Ananya (Tia Moninha, o nome dela significa 'unica', 'peca unica') e Sabir, o namorado dela (estudante de 'Paz e Conflito', segundo ele uma variacao de Relacoes Internacionais). Felizmente nao tive nenhum problema por causa da comida e meio que chutei o balde: tenho comido na rua de vez em quando. Talvez minha mae tivesse razao ao dizer meu pai, meus irmaos e eu temos estomago de avestruz.

terça-feira, março 21, 2006

Espadas e metralhadoras a postos!


No dia seguinte ao pe na bunda comecou a batalha e, acreditem, eu tinha um numeroso exercito a meu favor! Os meus novos amigos procuraram a melhor arma que tinham e resolveram entrar na luta: alguns contactaram conhecidos que talvez pudessem ajudar (nessas horas todo mundo conhece alguem, que conhece alguem, que conhece alguem…), outros pediram a Alla que me ajudasse e outros ate se ofereceram a ir pra India comigo pra que eu pudesse tirar um novo visto. Fiquei feliz em saber que, dessa vez, eu tinha nao so meus amigos e familiares no Brasil torcendo por mim, mas tambem pessoas em Bangladesh e na India!

Os oito dias seguintes foram estressantes: noites mal dormidas; passagem de onibus pra India comprada, em aberto, para ser utilizada a qualquer momento; mala mais ou menos organizada pra uma viagem repentina; horas de esperam no “Passaport and Imigration Office”, dezenas de ligacoes, reunioes com pessoas com certo grau de influencia… Eh impossivel descrever com palavras exatamente o que passei: talvez uma mistura de angustia, ansiedade e preocupacao; talvez uma mistura de inconformidade e frustracao; talvez excesso de esperanca e coragem; mas, com certeza, uma aula pratica de Relacoes Internacionais, politicagem, perseveranca e amizade.

Acreditem se quiserem, mas o cunhado da Ananya – quem, em grande parte, esquematizou pra que eu ficasse na casa dela e, tambem, alguem que tem me ajudado muito por aqui – estava com o filho de 11 meses doente, no hospital, e tambem trocando de emprego, cansado, com mil preocupacoes, sem dormir de noite mas, mesmo assim, tomou a minha causa como sua, entrou em contato com alguns conhecidos seus que trabalham no local de tirar o visto, me levou pra algumas tentativas – frustradas, porem importantissimas – mas, principalmente, tentou me manter tranquila e esperancosa.

O que deu certo foi o contato de uma das funcionarias do Grameen Bank – a hiperativa que nao para de falar, de quem ja falei numa outra postagem. A irma dela trabalha no Health Ministry e tem contatos no Home Ministry. Ela agendou uma entrevista com a 4a pessoa na hierarquia deste ministerio. Este senhor foi muito simpatico, mas eu estava nervosa como se fosse a minha primeira entrevista de estagio/emprego. Ele prometeu mandar-me uma carta na semana seguinte, com a qual eu deveria voltar ao “Passaport Office” e pedir novamente extensao do visto. No entanto, meu visto expirava no Sabado e eu nao poderia ficar eternamente esperando a burocracia e boa vontade do governo, ja que eu nao tinha nenhum recibo, alem de que nao acreditar mais em ninguem! Nisso eu tive uma certa discussao com a senhora hiperativa, pois, pra ela, eu deveria esperar eternamente a carta. Falei que caso a carta nao ficasse pronta ate Quinta (ultimo dia util do meu visto ainda valido), eu iria pra India na Sexta. Ela, entao, pediu que sua irma fosse pessoalmente no Home Ministry “apressar” as autoridades. Foi um processo estressante, paralelo ao qual eu administrava outras tentativas. Felizmente, na Quinta, uma hora e meia antes do fim do expediente, a minha carta estava pronta! Fui buscar e, de la, direto para o “Passaport Office”, ja com um contato la dentro. Esse contato me disse que o processo de pagamento ja estava encerrado e so seria possivel tirar o visto no Domingo (primeiro dia util da semana), mas que eu ficasse tranquila pois em meia hora, de manha, eu sairia de la com meu visto. Agora eu teria um fim de semana nao muito tranquilo, entre o meu problema do visto e as visitas ao bebe da familia que estava no hospital, mas pelo menos nao precisava sair do pais as pressas, pois tinha uma carta official do governo.

No Domingo de manha, la estava eu novamente. Paguei e, com certeza, deixei varios funcionarios infelizes ao verem que eu tinha a tal carta e, portanto, nao iria lhes pagar “black money”. Mandaram-me voltar de tarde. Fiquei irritadissima, mas o que podia fazer? Mais algumas horas de angustia e espera nao me matariam depois de tudo o que ja tinha passado. De tarde, eles me mandaram esperar uma hora pelo visto, mas eu e meu coordenador entramos sem ser convidados na sala do tal senhor que tinha me recebido no dia em que consegui a carta. Ele pediu que sentassemos ali mesmo e ordenou algo em bangla. Em 15 minutos meu visto estava pronto e este senhor gritou com uma funcionaria algo que depois meu coordenador traduziu pra mim: “Esta garota eh uma estudante que veio para o nosso pais, pediu extensao do visto pra poder completar os estudos e voces nao deram!!!!! Ela eh uma boa garota e so quer aprender mais!!!!”
***Na primeira foto com Shajib e Nowrin - cunhado (que ajudou com o visto) e irma da Ananya; na segunda com Shajal, irmao mais novo do Shajib; na terceira Sawfan, o bebe super fofo que estava doente; na quarta com a Upama, prima de Shajal e Shajib.

terça-feira, março 14, 2006

Pe na bunda

Dia 12 de marco, dia em que meu visto expirava, fui, novamente, ao “passport and immigration office”. Dia horrivel. Primeiro eles nao queriam nem me escutar, pois meu recibozinho dizia pra voltar dia 14, e nao dia 12. Depois de um bom cha de cadeira pegaram o meu passaporte e me mandaram voltar no fim da tarde.

Quando voltei, entregaram-me o passaporte. Meu coordenador abriu um enorme sorriso e disse: “Enfim tudo certo!”. Sorri pra ele e abri o passaporte. Supresa: 6 dias!!! Eles extenderam o meu visto por 6 dias! Inacreditavel! Meu coordenador perguntou o porque e fomos falar com o responsavel, que foi super grosso. Nunca fui tao humilhada na minha vida.

Naquele momento senti-me “o coco do cavalo do bandido”, como diz o meu pai. Sentei numa cadeira por la mesmo, abaixei a cabeca e comecei a chorar olhando para o novo carimbo no meu passaporte. Eram lagrimas de frustacao e tipicas de quem acabou de lever um pe na bunda. Isso mesmo: um pe a bunda! E agora eu tenho que confessar – nao tem problema, ja que todos que leem esse blog sao meus amigos e familiars – que estou apaixonada. Completamente, perdidamente apaixonada! Por esse pais, por essa cultura, por essas pessoas. E acabara de levar um belo pe na bunda. Quando isso acontece, a vontade eh de morrer. Mas quem nunca levou um pe na bunda na vida? O negocio eh esfriar a cabeca e tomar uma decisao dificil: partir logo pra outra ou insistir. Eu resolve insistir.
**Olhem essa foto: eh ou nao eh apaixonante?!?!?!

quinta-feira, março 09, 2006

Ashkapur - Dinajpur

Minha primeira viagem por Bangladesh (sem contar o caminho de Benapole, na fronteira com a India, ate Dhaka) foi para o distrito de Dinajpur, no norte do pais. Fui para um trabalho de campo do Grameen Bank. Saimos as 8h da manha de Dhaka e chegamos em Dinajpur por volta das 17h, onibus sem ar condicionado, pois nao ha a/c buses disponiveis para esta rota. Talvez porque seja a regiao mais pobre do pais.
De inicio meu coordenador nao queria que minha primeira viagem fosse para um lugar tao longe e tao precario, mas acabei por convence-lo, argumentando que seria bom por ter uma parceira ja com alguma experiencia em viagens por Bangladesh: esta seria a ultima viagem da Amy, a garota norte-americana, antes de deixar o pais. Como Dinajpur eh longe do escritorio em Dhaka, poucos estranjeiros visitam a regiao. Os ultimos que estiveram por la antes de nos foram 3 paquistaneses, homens, ha nove meses. Numa regiao tao precaria e com raras visitas de estrangeiros, fizemos o maior sucesso. Logo que chegamos a vila/povoado/aldeia de Ashkapur, ha uns 10 kilometros de Dinajpur, metade da cidade estava em frente a Agencia local do Grameen Bank, pra ver as 'bideshis' (gringo em bangla). Tao logo chegamos, fomos apresentados para o branch manager (gerente da agencia), que seria o responsavel local por nos. Inclusive ficamos na casa dele, com sua familia, o que nao eh muito comum em viagens de 'interns' do Grameen Bank, mas foi interessantissimo e enriqueceu muito nossa viagem. No fim de tarde fizemos um passeio a pe e fomos conhecer a maior repreza de Bangladesh, chamada Ramsagar. Durante o dia iamos para as center meetins, entrevistavamos algumas mulheres, conheciamos suas casas e seus trabalhos, conversavamos e tiravamos nossas duvidas com os funcionarios… De noite jantavamos com a familia do gerente da agencia e jogavamos baralho, um dos unicos meios de interagir, uma vez que havia a barreira linguistica. O filho mais velho, 16 anos, esta na decima serie e fala um pouco de ingles, mas nao suficiente para manter um dialogo por mais de 5 minutos. A filha mais nova, 13 anos, fala algumas palavras e toda hora gritava chamando o irmao pra vir traduzir alguma coisa. Normalmente o Rony, nosso interprete, estava por perto. Complicado mesmo era quanto ele saia da casa para fumar um dos 20 cigarros diarios.
Normalmente nosso meio de transporte eram as famosas vans (ver foto), parecidas com os rickshaws, pedaladas por algum homem. Um dia, porem, o gerente da agencia ofereceu para irmos de motocicleta. Amy e eu olhamos uma para a cara da outra meio na duvida, mas o Rony nos convenceu: “Amanha voces querem ir para uma agencia nova e teremos que ir de motocicleta. Entao hoje sera como um treino, num lugar mais perto”. Fomos. Tres funcionarios do banco, levando Amy, Rony e eu nas garupas. Na primeira parada numa esquinha, pra esperar a motocicleta do Rony, que tinha ficado para tras, a Amy me disse em espanhol (especie de lingua secreta para que ninguem mais nos entenda): “So estou me perguntando o quao longe eh essa agencia que vamos visitar amanha!!!” Eu nao estava tao assustada assim, mas confesso que, sentada de lado na garupa de uma motocicleta (sim, de lado, pois sou mulher…), percorrendo estradinhas de terra, me vieram a cabeca as duas unicas experiencias que tive com motocicletas em areia: a primeira quando minha irma caiu de moto na avenida principal da praia, por ter derrapado na areia, se espatifando e perdendo um belo bife do pe; e a outra pouco antes de vir pra ca, quando uma moto derrapou numa estradinha de terra e quase foi parar embaixo do carro que eu dirigia!!!
No dia seguinte, por sorte, a outra agencia era a apenas 12 kilometros de distancia.
Um dos dias em que estavamos la, houve a Segunda greve desde que cheguei em Bangladesh. No interior, quando acontecem essas greves, nao eh tao perigoso como em Dhaka, mas o Area Manager nao autorizou que mantivessemos nossa programacao durante a manha de manifestacao. Tivemos, entao, que participar de uma super sessao de fotos com a familia do gerente e tambem de outros funcionarios, que mandaram suas esposas e filhos virem para o Banco para poderem tirar fotos conosco. Comentei com o Rony que me sentia a verdadeira alienigena, mas aceitamos, ja que tambem tiramos muitas fotos das novidades que encontramos no pais deles.
Quando iamos entrevistar alguma mulher, pediamos para que todos se retirassem, inclusive os gerents e funcionarios do banco, para nao influenciar nas respostas. Ficavamos apenas a entrevistada, Amy, Rony e eu. Do lado de fora da casa ficavam dezenas de pessoas, tentando ver as ‘bideshis’ e esperando a gente sair. Numa das entrevistas aconteceu algo muito engracado: do lado de for a, na cerca, as pessoas se dependuravam pra ver a gente. De repente eu escuto alguem me chamar “Lara, Lara!!!” (assumi este nome aqui, porque as pessoas realmente nao conseguem pronunciar Leticia e eu nunca sabia quando alguem estava me chamando). Olhei entao em diracao a cerca. La estava o Gerente da Agencia, no meio de varias pessoas locais: “Veja, Lara, eles estao quase quebrando a cerca para ver voces!!!!!” “Ele inclusive!!!!” – respondi para o Rony, quando traduziu para o ingles as palavras do gerente. Entao Amy e Rony soltaram imensas gargalhadas. Eu tinha atrapalhado o curso da entrevista e precisamos respirar fundo, esquecer a piada e voltar ao trabalho.No dia de ir embora ficamos todos muito tristes, pois ja estavamos afeicoados com a familia. Despedir dos funcionarios da agencia tambem foi dificil, pois para eles a nossa presenca ali era tao importante! (o que Amy me disse nao ser comum em outras regioes, que recebem estrangeiros frequentemente). O gerente da agencia reuniu todos os funcionarios e falou em nome de todos eles o quao gostaram de nos receber e pediu desculpas por qualquer coisa que nao tivesse sido boa. Amy e eu escrevemos na agenda dele recadinhos em ingles, que Rony traduziu para todos. Um dos funcionarios pediu que Rony me perguntasse se eu conhecia uma tal jogadora de tennis argentina que eh muito conhecida, menos pela qualidade de seu jogo, mas mais pela sua beleza. Eu respondi que nao, nao conhecia. “Quando vi a Lara pela primeira vez pensei que fosse ela!” – respondeu o funcionario para o Rony, para que ele traduzisse pra mim.

domingo, março 05, 2006

Os professores me perseguem!!!

Faz um tempinho que nao escrevo, pois estava em uma viagem maravilhosa, no norte do pais. Mas depois escrevo sobre isso: primeiro vou escrever sobre os dias que passei com a familia da Ananya.
No dia combinado, peguei um taxi, com toda a minha bagagem, e encontrei a Ananya em frente ao instituto de IBA (International Business Administration), da universidade de Dhaka, que eh um lugar super conhecido. De la fomos pra casa dela. No caminho ela telefonou para os pais. Eu nao entendi nada do que ela falou, so ouvi meu nome no meio. Chegando la, nao havia energia eletrica. Tipico: desde que cheguei aqui nao houve um so dia em que nao tenha faltado energia por algumas horas, ou pelo menos tenha acontecido daqueles picos de energia que fazem voce perder tudo o que gastou horas digitando no computador. A producao de energia do pais nao eh suficiente para a demanda e nesta estacao a coisa fica ainda um pouco pior, segundo me disseram. Minha lanterninha de 3 reais, do camelodromo central de uberlandia esta sendo super util!!!
Deixamos, entao, a bagagem na garagem e subimos os sete lances de escada a pe. Os pais dela nos esperavam. Sentamos na sala e eles comecaram a me fazer perguntas, que a Ananya traduzia. Quantos irmaos eu tenho, o que meus pais fazem, que curso eu faco... ate que os pais resolveram falar ingles comigo. No comeco eu nem percebi que era ingles - achei que era bangla -, ate que ela comentou: "meus pais falam ingles, mas as vezes eh meio dificil de entender". Sorrindo, comecei a fazer forca pra entender, daquele jeito em que os olhos quase fecham, de tanta concentracao. Em alguns minutos ja conseguiamos nos fazer comunicar em ingles!!! O pai era professor de fisica. Ve se pode - mais um!!! Eles tem tres filhas, mas as duas mais velhas sao casadas e uma mora no Canada
No dia seguinte a Ananya foi pra aula e eu pro Grameen Bank. Quando voltei, ela ainda nao tinha chegado e fiquei conversando com os pais dela - pessoas adoraveis!!! Mostrei pra mae um tecido que tinha ganhado de presente do meu amigo indiano. Quando a Ananya chegou, a mae lhe mostrou e fomos no costureiro delas pra fazer um sawar kameez sob medida pra mim. Arrumei minha mochila para viajar no dia seguinte as 7 e meia da manha. Jantamos e fomos dormir.
No dia seguinte, antes que meu relogio tivesse chance de despertar, a mae dela ja tinha me acordado e preparado cafe da manha pra mim. Quando vi aquele tanto de comida, assim tao cedo, preparada com tanto carinho, fiquei olhando pra ela alguns minutos, procurando, ate me convencer de que nao, nao podia ser a minha mae vestindo um sari, porque minha mae esta no brasil!
Apesar de ter passado poucos dias com eles ate agora, ja gosto muito de todos eles. E acho que eles tambem, pelo menos um pouco. Outro dia, enquanto picava legumes pra salada, a mae da Ananya comentou algo com ela, que eu nao entendi, logico. Depois ela me contou que a mae tinha gostado muito de mim e tinha dito que se tivesse um filho homem me faria sua nora! (ahahaha)
***Foto com a minha 'mae' aqui, no quarto da Ananya, que agora ela divide comigo. AAAH e este eh o meu novo sawar kameez, feito sob medida, com o pano que o meu amigo indiano me deu.