Minha primeira viagem por Bangladesh (sem contar o caminho de Benapole, na fronteira com a India, ate Dhaka) foi para o distrito de Dinajpur, no norte do pais. Fui para um trabalho de campo do Grameen Bank. Saimos as 8h da manha de Dhaka e chegamos em Dinajpur por volta das 17h, onibus sem ar condicionado, pois nao ha a/c buses disponiveis para esta rota. Talvez porque seja a regiao mais pobre do pais.
De inicio meu coordenador nao queria que minha primeira viagem fosse para um lugar tao longe e tao precario, mas acabei por convence-lo, argumentando que seria bom por ter uma parceira ja com alguma experiencia em viagens por Bangladesh: esta seria a ultima viagem da Amy, a garota norte-americana, antes de deixar o pais. Como Dinajpur eh longe do escritorio em Dhaka, poucos estranjeiros visitam a regiao. Os ultimos que estiveram por la antes de nos foram 3 paquistaneses, homens, ha nove meses. Numa regiao tao precaria e com raras visitas de estrangeiros, fizemos o maior sucesso. Logo que chegamos a vila/povoado/aldeia de Ashkapur, ha uns 10 kilometros de Dinajpur, metade da cidade estava em frente a Agencia local do Grameen Bank, pra ver as 'bideshis' (gringo em bangla). Tao logo chegamos, fomos apresentados para o branch manager (gerente da agencia), que seria o responsavel local por nos. Inclusive ficamos na casa dele, com sua familia, o que nao eh muito comum em viagens de 'interns' do Grameen Bank, mas foi interessantissimo e enriqueceu muito nossa viagem. No fim de tarde fizemos um passeio a pe e fomos conhecer a maior repreza de Bangladesh, chamada Ramsagar. Durante o dia iam
os para as center meetins, entrevistavamos algumas mulheres, conheciamos suas casas e seus trabalhos, conversavamos e tiravamos nossas duvidas com os funcionarios… De noite jantavamos com a familia do gerente da agencia e jogavamos baralho, um dos unicos meios de interagir, uma vez que havia a barreira linguistica. O filho mais velho, 16 anos, esta na decima serie e fala um pouco de ingles, mas nao suficiente para manter um dialogo por mais de 5 minutos. A filha mais nova, 13 anos, fala algumas palavras e toda hora gritava chamando o irmao pra vir traduzir alguma coisa.
Normalmente o Rony, nosso interprete, estava por perto. Complicado mesmo era quanto ele saia da casa para fumar um dos 20 cigarros diarios.
Normalmente nosso meio de transporte eram as famosas vans (ver foto), parecidas com os rickshaws, pedaladas por algum homem. Um dia, porem, o gerente da agencia ofereceu para irmos de motocicleta. Amy e eu olhamos uma para a cara da outra meio na duvida, mas o Rony nos convenceu: “Amanha voces querem ir para uma agencia nova e teremos que ir de motocicleta. Entao hoje sera como um treino, num lugar mais perto”. Fomos. Tres funcionarios do banco, levando Amy, Rony e eu nas garupas. Na primeira parada numa esquinha, pra esperar a motocicleta do Rony, que tinha ficado para tras, a Amy me disse em espanhol (especie de lingua secreta para que ninguem mais nos entenda): “So estou me perguntando o quao longe eh essa agencia que vamos visitar amanha!!!” Eu nao estava tao assustada assim, mas confesso que, sentada de lado na garupa de uma motocicleta (sim, de lado, pois sou mulher…), percorrendo estradinhas de terra, me vieram a cabeca as duas unicas experiencias que tive com motocicletas em areia: a primeira quando minha irma caiu de moto na avenida principal da praia, por ter derrapado na areia, se espatifando e perdendo um belo bife do pe; e a outra pouco antes de vir pra ca, quando uma moto derrapou numa estradinha de terra e quase foi parar embaixo do carro que eu dirigia!!!
No dia seguinte, por sorte, a outra agencia era a apenas 12 kilometros de distancia.
Um dos dias em que estavamos la, houve a Segunda greve desde que cheguei em Bangladesh. No interior, quando acontecem essas greves, nao eh tao perigoso como em Dhaka, mas o Area Manager nao autorizou que mantivessemos nossa programacao durante a manha de manifestacao. Tivemos, entao, que participar de uma super sessao de fotos com a familia do gerente e tambem de outros funcionarios, que mandaram suas esposas e filhos virem para o Banco para poderem tirar fotos conosco. Comentei com o Rony que me sentia a verdadeira alienigena, mas aceitamos, ja que tambem tiramos muitas fotos das novidades que encontramos no pais deles.
Quando iamos entrevistar alguma mulher, pediamos para que todos se retirassem, inclusive os gerents e funcionarios do banco, para nao influenciar nas respostas. Ficavamos apenas a entrevistada, Amy, Rony e eu. Do lado de fora da casa ficavam dezenas de pessoas, tentando ver as ‘bideshis’ e esperando a gente sair. Numa das entrevistas aconteceu algo muito engracado: do lado de for a, na cerca, as pessoas se dependuravam pra ver a gente. De repente eu escuto alguem me chamar “Lara, Lara!!!” (assumi este nome aqui, porque as pessoas realmente nao conseguem pronunciar Leticia e eu nunca sabia quando alguem estava me chamando). Olhei entao em diracao a cerca. La estava o Gerente da Agencia, no meio de varias pessoas locais:
“Veja, Lara, eles estao quase quebrando a cerca para ver voces!!!!!” “Ele inclusive!!!!” – respondi para o Rony, quando traduziu para o ingles as palavras do gerente. Entao Amy e Rony soltaram imensas gargalhadas. Eu tinha atrapalhado o curso da entrevista e precisamos respirar fundo, esquecer a piada e voltar ao trabalho.No dia de ir embora ficamos todos muito tristes, pois ja estavamos afeicoados com a familia. Despedir dos funcionarios da agencia tambem foi dificil, pois para eles a nossa presenca ali era tao importante! (o que Amy me disse nao ser comum em outras regioes, que recebem estrangeiros frequentemente). O gerente da agencia reuniu todos os funcionarios e falou em nome de todos eles o quao gostaram de nos receber e pediu desculpas por qualquer coisa que nao tivesse sido boa. Amy e eu escrevemos na agenda dele recadinhos em ingles, que Rony traduziu para todos. Um dos funcionarios pediu que Rony me perguntasse se eu conhecia uma tal jogadora de tennis argentina que eh muito conhecida, menos pela qualidade de seu jogo, mas mais pela sua beleza. Eu respondi que nao, nao conhecia. “Quando vi a Lara pela primeira vez pensei que fosse ela!” – respondeu o funcionario para o Rony, para que ele traduzisse pra mim.